segunda-feira, 21 de julho de 2008

Diários de um sintoma inadaptado

Cheguei a casa. A noite já vai alta.
Encosto-me á porta que fecha atrás de mim. A respiração não me perdoa e o coração corre a mil. Imagens de uma noite perfeita revelam-se na minha mente.
Não param.
Não quero que parem.
Olho para as mãos. Pingam no chão. Sujam-me a entrada. Sujaram as escadas que me trouxeram até aqui. Mas só consigo sentir prazer no liquido que lhes escorre. Gosto da cor, gosto do sabor, gosto de ver as minhas mãos pintadas desta maneira.
A respiração acalma. O coração descansa.
Passo as mãos pela camisa. Fica pintada de vermelho. Vermelho escuro. Vermelho quente. Vermelho sangue! E levo os dedos á boca uma vez mais. Ó doce sabor quente do sangue de alguém. Alguém que já não se pode arrepender por se ter cruzado comigo hoje á noite.
Sim.
Hoje, finalmente estou feliz. Já me consigo rir. E não consigo parar de rir. Gargalhadas soltas enquanto me sento encostado á porta. A mesma porta que não me dava nada senão uma vida de futilidades e incertezas, agora, aponta-me um caminho.
O caminho certo. Aquele que já devia ter tomado á muito. Aquele que ansiava por chegar sem nunca perceber o que era.
Sou apenas um reflexo daquilo que vejo, sinto, cheiro e existo!
Sou um inadaptado e vou continuar a sê-lo!
Vou continuar a matar como matei hoje.
Não vou parar. Não posso. Não quero.
Foi bom demais para desistir á primeira!
Conheci-o á entrada do metro depois de mais um dia inútil na minha vida. Um domingo onde todos se passeiam, pavoneiam ou refletem as suas vidinhas inúteis numa qualquer esplanada ou praia ou puta que os pariu!
Perguntou-me se tinha um cigarro.
Brasileiro.
Fechei os maxilares com força.
Detesto que me cravem tabaco. Ainda por cima com as vogais tão abertas, típicas de um sul- americano qualquer!
Disse-lhe que sim.
Tirei o maço do bolso e elevei um dos cigarros para lhe facilitar a toma.
Ele agradeceu.
Eu, fiz um esforço e amarelei um sorriso.
Mal o dele.
Não percebeu o amarelo do sorriso e voltou á carga. Abriu as vogais por demais e perguntou se por acaso não tinha um euro pa comé quauké cóisá pô?
Guardei o tabaco.
Sorri mas dei-lhe um tom mais colorido desta vez. Agora sorri mesmo!
Não tenho dinheiro comigo, respondi. Mas podemos ir ao multibanco aqui já em baixo se tiveres muito aflito.
Tou pô!
Graças a Deus me respondeu assim!
Vamos ao multibanco então, continuei, andando.
Cê é o maió legau!..... Cada frase dele me pedia cá dentro que continuasse a massajar a faca que tinha no bolso. Não sei porquê mas ando com uma faca no bolso á um mês. Talvez raiva ou pura inadaptação por esta sociedade nojenta e decadente de lapas como este porco que tanto desprezo e tanto vou gostar de ver partir!
Cada olhar de soslaio que lhe mandava só me animava e entusiasmava!
O multibanco aproximava-se e a conversa dele só me enojava mais e mais.
Quando chegamos meto a mão ao bolso e finjo procurar o cartão. O pedaço de carne á minha frente continuava com vogais abertas a saírem-lhe da boca e olhava sem parar para todos os lados enquanto esmifrava a última réstia de filtro que o Ventil lhe proporcionava!
Deixa-o acabar o cigarro.
Assim que os últimos restos de prazer que esta besta teve na vida caírem no chão, vou tirar a mão do bolso e apresentar-me...
Olá meu flho da puta. Sou quem te vai matar!
O olhar que me lançou instantes antes de o primeiro centímetro lhe ser cravado na barriga é como..sei lá.. não consigo descrever! Nem quero. Fica comigo na memória. E passo essa imagem vezes sem conta. E já nem conto as vezes que me rio quando disso me lembro. Que prazer!
A primeira, a segunda, a terceira facada com força. Resistência. Mas que é isso pô?..pergunto eu!? Abre as vogais agora..grita..mas pára de resistir!
Foda-se!!
Quarta, quinta, sexta facada.. desiste! Porra! Até que enfim.
Desfalece para mim. Isso!
Conforma-te
Conforma-te
Não me implores enquanto cospes sangue, caralho!
Ès indiferente demais para mim para me preocupar contigo!
Isso..Vá lá.
Conforma-te porque já nada podes fazer! Não lutes. Isso!
Deixa-te ir. Deixa-te levar. Já não tens força. Nem queres ter força!
Morre. Não lutes. Isso!
Morre. Morre para mim.
Não é nada contra ti. Não é nada contra vocês que falam com vogais mais abertas que a língua portuguesa aceita! Apenas estavas no local errado na altura certa para mim!
Até podias falar suomi que me estava a cagar. Desde que esta faca tivesse onde entrar!
Isso!
Olha para mim enquanto morres! OLHA PARA MIM!
Já não consegue. Admiro-te agora. Agora temos algo em comum, pedaço de carne.
Faço parte da tua vida! E da tua morte. Pesas-me nos braços. Largo-te no chão com respeito. Pinto-te os olhos de vermelho ao fecha-los, de um vermelho que de dentro de ti saíu.
Morreste e contigo levas uma profunda paixão que senti ao matar-te! Apaixonei-me pela forma como morreste. Não te podes queixar. Estive contigo no momento mais importante da tua vida. A tua própria morte.
E vou continuar com um sorriso sincero na boca enquanto adormeço encostado á porta da minha casa.
Levo as mãos á boca uma vez mais. O sangue secou. Já não sabe bem.
Amanhã é um novo dia. Novo sangue virá.
Agora sim...vou viver!!
E já agora vou documentar isto para a posterioridade.
Sou um psicopata? Se calhar sou. Se calhar descobri a minha vocação.
Eu bem me parecia que trabalhar na copa de um hotel não era um designio de vida para ninguem.
Mas tenho de continuar a lavar pratos.
E hei-de trazer uma faca nova todos os dias!!!

3 comentários:

13 disse...

está muito bom sim senhor mas tinha que haver uma parte que estraga tudo...
Fodax.
Fodax??? Fodax??? no meio de um texto destes?

virgem disse...

lol
tens razao! fodax nao!!

virgem disse...

corrigido!