segunda-feira, 21 de julho de 2008

Diários de um reflexo conformado

Cheguei a casa. A noite ainda vai baixa.
Deixo a porta atrás de mim fechar-se e afasto-me. Sinto-me aborrecido e calmo demais.
Há muito que não sinto que a respiração já não me perdoa e que o coração me corre a mil. Mesmo assim nunca o sofá me pareceu tão agradável. Imagens de um dia normal nem se atrevem a cruzar a minha mente.
Não valem a pena. Nem pesam o esforço.
Olho para a minha arma. Olho para o meu distintivo. Pesam-me os dois. Já são muitos anos nisto. Mas gosto do seu brilho, do poder e da responsabilidade que lhes reconheço.
Olho para as minhas mãos. Velhas, sem brilho e sem poder, perdendo parte da responsabilidade quando nuas da companhia das fieis amigas.
Hoje, e mais uma vez, estou infeliz. Nem me consigo rir. Nem um esboço consigo soltar. E olho para a porta, essa porta que só me aponta um caminho..o mesmo de sempre. Aquele que nunca devia ter tomado. Mas o único para o qual eu nasci. Servir a lei.
Sou um sintoma da sociedade e estou conformadamente adaptado.
Toca o telemovel. A mesma vozinha irritante do oficial de serviço a avisar que tinhamos um caso.
Merda. O dia todo na esquadra a arquivar processos e agora que chego a casa...Calo-me.
Não te esforces.
Conforma-te e pega nas chaves do carro e vai á esquadra!
Estaciono o carro. Não tenho uma cara simpática nem me esforço por parece-lo e isso é facilmente depreendido pelo estupido do maçarico que está á porta da esquadra.
O oficial de serviço, pergunto a mostrar os pêlos do nariz.
Saiu para beber um café ali mais á frente.
Não gosto da resposta.
Ele percebeu que não gosto da resposta e recua ligeiramente.
Ele percebeu que não gosto da resposta e que não tem culpa nenhuma mas vai ser ele a levar com a bronca. E quando me preparo para o tornar num dos meus Òdios de Estimação eis que aparece o dito oficial.
Boa noite.
Boa noite, pergunto-me eu?
Respira..bem fundo.
Isso.
Relaxa.
Relaxa. É que nem olhes para ele.
Deixa-o passar por ti e morde o lábio.
Não cometas os mesmos erros do passado e entra atras dele.
Que se passa, queres saber.
Um assassinato de um homem, aparentemente de origem brasileira no centro de lisboa.
Finalmente.Algo com que me entreter.
E esboço um sorriso bem pintadinho de várias cores. Algo novo. Algo diferente.
Algo que para o qual já não era chamado á muito tempo devido ao murro, justo e bem dado, que dei ao meu anterior sub-chefe.
Agarra esta oportunidade, penso. Ligo o carro e, epá, que se lixe, vou ligar as sirenes a esta hora da noite e tudo!
Aparato policial. Enorme.
Um jornalista ao fundo dirije-me a palavra.
Dirijo-lhe desprezo.
Mando sair o pessoal.
Sempre tive uma atitude hollywoodesca ao cumprir o meu dever.
Aliás, foi por causa dos filmes que sou polícia.
E olho o corpo. Olho em redor.
Vejo uma caixa multibanco a menos de dois metros. Podemos tentar a videovigilância. Difícil.
Uma loja de roupa em frente, do lado oposto da rua. Também pode ter câmaras.
Uma curva á esquerda um pouco mais abaixo dificultava a visibilidade de quem pudesse vir dali.
Atrás de mim um jardim. Tenho de mandar alguem procurar carochos ou vagabundos deste parque para saber se viram alguma coisa.
E olho novamente para o corpo.
Pobre coitado. Lá estavas tu no local errado para ti e altura certa para alguem.
Mas quem?
A carteira continua no bolso. As calças continuam no sítio.
Seis ou talvez sete facadas lhe marcam o corpo.
Isto é estranho. Os olhos estão fechados e têm marcas de sangue.
Confusão.
Tentar perceber um crime desta natureza é o mesmo que ensinar um chimpanzé a escrever. Não entra. Nem quero que aconteça.
Olho o corpo outra vez.
Vou analisar. E sinto-me a crescer por dentro.
Agora sim.
Estou feliz!! Vou viver!!
Se sou um polícia? Sou de certeza. Há muito descobri a minha vocação.
Nunca trabalharia numa copa de um hotel, por exemplo.
E vou encontrar este desgraçado.
Até porque ando de pistola na mão.. todos os dias!!

1 comentário:

13 disse...

fodax!!!
muito bom...roça a genialidade apesar de nao gostar muito de te dizer estas coisas porque ficas logo todo inchado.
Gostei muito da sequencia e dos dois pontos de vista do "bom" e do "mau"
parabens