sexta-feira, 4 de julho de 2008

Réplicas


Pior que uma noite mal dormida, devidamente justificada pelo excesso de informação que sou obrigada a reter, é o acordar com os gritos incessantes de uma criança de 2 anos e meio. Esses mesmos gritos ecoam por toda a casa. Os gritos e a “Arca de Noé” que lhe foi oferecida e que ela tanto estima, mesmo quando atira-a ferozmente contra o chão. Realmente tiro o chapéu à qualidade do produto. Entre pancadas e murros e “ups, caiu” aquela coisa continua a tocar altivamente, como se tivesse vida própria.
Tipo zombie, arrasto-me fora da cama dirigindo-me ao café que se encontra devidamente preparado para a minha pessoa. Quero café, já! Ignoro os pedidos de “tia, a pé, a bebé” que se repetem e repetem e repetem. Após o assentar da cafeína no estômago, acordo ligeiramente e grunho qualquer coisa do estilo “Não sei, acabei de acordar. Vai perguntar à avó”. Mas entretanto a pé e a bebé não são importantes. Numa corrida louca acompanhada pelos famosos gritos tarzanianos (que tão bem ela reproduz), busca incessantemente a trela da cadela. Como por efeitos mágicos reaparece com o seu boné cor-de-rosa e os respectivos adornos do meu animal.
“Tia. Ua ua. Pi. Cocó”. Tradução: “Tia, vamos à rua levar a Zippy a fazer cocó”.
Eu só quero beber o meu café descansada, fumar o meu cigarro, pensar no que tenho para fazer e planear resumidamente o meu dia, mas sou interrompida nesses meus simples desejos. Fecho os olhos. Respiro fundo. Ela não percebe que eu não funciono muito bem na primeira meia hora, depois de acordar.
Visto a coisa mais prática, coloco os óculos de sol que tapam os meus olhos papudos-acabados-de-acordar.
O dia está solarengo, demasiada luz para mim. Encontro vizinhos que se dirigem à pastelaria, outros levam pão para casa. A repetição dos” bons dias” sucede-se. Puxo de um cigarro e observo o contentamento da “minha” criança que outrora foi apadrinhada pelos queridos habitantes desta terriola como “minha filha”.
As pessoas quando não têm mais nada que fazer inventam coisas. E como eu sou uma moça com um feitio bestial, dei continuidade às suas suposições ao colar no vidro do meu carro um autocolante a dizer “nenuko a bordo”. Foi um festim! Não tinha só uma filha como também estava grávida de outra. E o pai? Ninguém sabia quem era!
No melhor pano cai a nódoa, disseram uma vez à minha mãe. Mais tarde perceberam que a minha mãe era realmente avó, mas não fui eu a oferecer-lhe esse título.
A minha sobrinha, que é ainda para alguns minha filha, e a minha cadela que é a minha cadela correm energicamente atrás dos pombos numa tentativa frustrada de os apanhar. Eles voam refugiando-se nas palmeiras. Apago o cigarro, chamo as meninas e juntas caminhamos em direcção a casa onde nos espera uma “Arca de Noé” freneticamente barulhenta acompanhada por latidos cantados.

Um dia, tiro as pilhas.

3 comentários:

virgem disse...

Definitivamente o cigarro é o personagem mais usado e abusado neste blog. Fonte de inspiração para conspirar. Pode fazer muita mal mas compensa com o bem que sabe ;)

Sá Gouveia disse...

As suas deixe-as ficar...e escrever. Tire apenas as da infame arca de noé.

P.S. Olhos papudos? I think not...

13 disse...

Não é uma situação facil...
De qualquer das maneiras acho que esse brinquedo, essa arca de noé te deu uma inspiração desigual sendo que achei a escrita deste teu texto algo de extraordinario.
Morte ás arcas de ´noé e a todos os brinquedos com ruidos irritantes.
Temos tempos para fazer ruídos irritantes quando chegamos a gente crescida